Nesta postagem continuaremos a Seção 2 da NBC TG 1000 (R1), no tópico das características qualitativas das demonstrações contábeis. Aqui apresentaremos as qualidades de Materialidade e Confiabilidade.
Materialidade1
2.6
A informação é material – e, portanto, tem relevância – se a
sua omissão ou erro puder influenciar as decisões econômicas de
usuários, tomadas com base nas demonstrações contábeis. A
materialidade depende do tamanho do item ou imprecisão julgada nas
circunstâncias de sua omissão ou erro. Entretanto, é inapropriado
fazer, ou deixar sem corrigir, desvios insignificantes das práticas
contábeis para se atingir determinada apresentação da posição
patrimonial e financeira (balanço patrimonial) da entidade, seu
desempenho (resultado e resultado abrangente) ou fluxos de caixa.
Segundo
o princípio da materialidade, a escrituração contábil deve
se basear em documentos materiais relevantes perante a movimentação
da empresa, sem é claro, ignorar um montante de itens que
isoladamente seriam insignificantes mas no total representam uma
grande proporção financeira da empresa. Ótimo, sabemos que a
contabilidade assim deve concentrar seus esforços para otimizar o
tempo de trabalho para com o que realmente interessa, mas surge uma
dúvida: o que vem a ser mesmo um item imaterial?
Para
responder à essa questão vamos supor duas situações: uma empresa
com faturamento de R$ 1.000.000,00 semanal e que tem um escritório
de contabilidade extremamente organizado. Mas num belo dia um dos
documentos comprovantes dos pagamentos de um lote de computadores
para o departamento de T.I. desaparece, algo que totaliza R$
40.000,00. Então o contador mobiliza toda a sua equipe para procurar
o comprovante. Por vejamos: o pagamento efetuado foi de R$ 40.000,00
contra uma movimentação diária de R$ 142.857,00 (faturamento
semanal dividido por 7). Aí temos que o valor perdido representa 28%
da receita diária. É algo relevante. Mas se compararmos com o
faturamento mensal não será, pois representará apenas 0,9333%.
perante esse quado o valor é irrelevante, ou seja, imaterial. É
claro que para uma empresa com faturamento menor o valor sem
comprovante material não pode passar em branco e a contabilidade
deveria mover o mundo para encontrar, mas para uma como a do exemplo,
não.
Agora
vamos ao segundo exemplo: uma empresa que vende embalagens de
papelão, classificada como microempresa, com faturamento anual de R$
216.000,00 e que pelo porte se torna inviável ter um escritório
próprio de contabilidade internamente, então contrata serviços de
um escritório. A cada mês junta o movimento de suas notas de
entradas, saídas, os relatórios de apontamentos da folha de
pagamento e os pagamentos efetuados de obrigações e despesas, bem
como os extratos das contas correntes e envia tudo para a
contabilidade. Mas a empresa é meio bagunçada e sempre falta algum
pagamento. A contabilidade então diante disso tem que usar a bola de
cristal para descobrir o que foi determinado lançamento a débito na
conta-corrente. Ocorreu que após averiguar com o cliente descobriu
que os pagamentos feitos, geralmente de R$ 50,00 a R$ 150,00 por dia
eram de pagamentos de despesas pessoais dos sócios. Aí somamos tudo
e chegamos ao montante de R$ 3.000,00 por mês.
A
que conclusão chegamos? Bem, sabemos que se são pagamentos de
despesas pessoais e que não tem nota fiscal não podem ser
consideradas como itens de uma documentação idônea para serem
fonte de lançamentos contábeis. Não era para lançar. No entanto,
como são saídas de conta-corrente, devem ser contabilizadas como
retiradas de lucros ou antecipação, caso não tenha saldos de
lucros acumulados. Mas uma coisa está errada: a contabilidade não
pode deixar passar cerca de R$ 3.000,00 de saídas de dinheiro da
empresa uma vez que a empresa tem apenas uma média de R$ 18.000,00
de faturamento mensal, ou seja, 16,67%. Mas e se fosse tudo gasto de
despesas com a própria empresa, mas só que sem nota fiscal? É mais
uma coisa errada! Afinal de contas, tudo o que é pago pela empresa
deve ser embasado em documentação idônea e sem ela, a
contabilidade não tem credibilidade.
É
claro que a história seria outra se fosse por exemplo o gasto de R$
2,00 diários com pão para funcionários e sem nota fiscal (R$ 60,00
por mês, ou seja, 0,011% do faturamento mensal). Resumindo, você
classifica os valores com base no tamanho de suas movimentações,
sem nunca deixar que pequenos valores sejam descartados a torto e a
direito, até porque se para uma empresa de faturamento baixo se
desconsiderar uma série de despesas só porque não tem nota mas que
ao final do mês o número destas de torne relevante, significa dizer
que a informação produzida não é tão fidedigna à realidade
quanto deveria. Para isso o contador tem o dever de guiar seu cliente
para que este lhe forneça as documentações corretas.
Confiabilidade2
2.7
A informação fornecida nas demonstrações contábeis deve ser
confiável. A informação é confiável quando está livre de desvio
substancial e viés, e representa adequadamente aquilo que tem a
pretensão de representar ou seria razoável de se esperar que
representasse. Demonstrações contábeis não estão livres de viés
(ou seja, não são neutras) se, por meio da seleção ou
apresentação da informação, elas são destinadas a influenciar
uma decisão ou julgamento para alcançar um resultado ou desfecho
pré-determinado.
A
contabilidade deve gerra informações com alto grau de certeza de
que estejam certas. De que adiantaria que o empresário receba de seu
contador um Balanço Patrimonial muito bem detalhado, uma
Demonstração do Resultado do Exercício completa, até com uma
versão variável (separando custos variáveis de fixos e mostrando a
margem de contribuição de cada produto) se após uma verificação
mais profunda, todos os seus valores caiam por terra, demonstrando
que os saldos a pagar, os bens e as despesas ou mesmo o próprio
lucro sejam unicamente valores chutados?
Vamos
a um exemplo que fiquei sabendo. Trata-se de uma empresa que presta
serviço de transporte municipal por ônibus à uma prefeitura de um
pequeno município no interior do Estado de São Paulo. A empresa até
que tem um faturamento alto, porém é totalmente desorganizada. Com
120 funcionários, sendo que todo mês tem funcionário contratado e
outro demitido manter a sua contabilidade em dia não é uma das
tarefas mais fáceis. Mas o grande problema mesmo é que a empresa
não paga suas obrigações trabalhistas e nem fiscais, apenas vai
empurrando com a barriga o que pode. Num certo mês ela tinha
atrasado cerca de 15 meses do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), numa quantia que já era bem difícil definir. E por falta de
caixa os gestores decidiram que seriam melhor pagar apenas o FGTS
quando o funcionário fosse demitido. Assim o departamento contábil
provisionada a cada final de mês 100% do FGTS, mas no mês seguinte
só acusava o pagamento de menos de 10%. e para piorar o mesmo
ocorria com pagamentos de impostos federais, como o Imposto de Renda
sobre o Lucro Presumido, que acabava caindo em dívida ativa e nele
eram imputados juros, e depois, ao se tornar optante pelo Simples
Nacional repetia a mesma inadimplência, partindo para parcelamento
de parcelamentos. E a empresa tinha dinheiro para isso? Não! Para
tanto, a cada vez que o extrato bancário chegava à contabilidade
para ser escriturado surgiu os vultos de novas entradas de recursos
provenientes de empréstimos para capital de giro, pagas mensalmente
com saídas que incluíam o valor principal acrescido de juros e que
se somado o montante pago ao final daria uma quantia com três vezes
o tamanho do empréstimo.
E
nisso a contabilidade dessa empresa empurrava erros e imprecisões,
até que no ano seguinte os gestores da sociedade solicitaram Balanço
Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício e um relatório
de análise econômico-financeira, para provar que a empresa teria
bons índices de liquidez e baixo endividamento. E agora, como
proceder. Pois bem, a contabilidade foi feita a trancos e barrancos e
ao calcular os índices ficou destacado que a empresa ia de mal a
pior (o que era óbvio), mas o cliente queria índices bons, pois
apresentara-os numa licitação. O jeito foi agradar o cliente,
reabrir o movimento do ano anterior na contabilidade e excluir
lançamentos de despesas, trocar pagamentos de despesas pequenas por
retiradas de lucros (que lucro?) e trocar os empréstimos sem fim do
curto prazo para o longo, tudo contabilmente incorreto. Para a sorte
do cliente a empresa ganhou a licitação e passou a oferecer serviço
de transporte municipal na cidade vizinha. E agora lhes pergunto: e
se uma auditoria pegasse o Balanço, o Livro Diário, cruzasse
informações de notas eletrônicas e fosse ao escritório de
contabilidade para ver toda a documentação que serviu de base para
os lançamentos? Aí sim a contabilidade teria muito do que se
explicar. E é por isso que nós, profissionais da contabilidade
devemos evitar ao máximo lançarmos coisas erradas ou sem certeza
absoluta de que os eventos em nossos débitos e créditos são reais.
E mais uma vez reafirmo, para que tenhamos a certeza de que nossos
relatórios são certos precisamos de comprovantes fiéis. Só assim
poderemos passar confiança de nosso trabalho.
1Palavras-chave:
a contabilidade não pode perder tempo com o que for imaterial, isto
é, irrelevante perto do que a empresa normalmente movimenta em
recursos financeiros, mas também não pode desprezar quando a
somatória dos itens imateriais tornar-se relevante.
2Palavras-chave:
relatórios contábeis devem ser feitos com base em documentos
oficiais, para que os valores apresentados sejam absolutamente
corretos, sem dar margem de dúvida tanto por parte do contador como
do usuário que receberá a informação.
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